Movimento fica Frei Geraldo

A convivência dentro da casa de Deus aproximou pároco e comunidade de tal forma que não se trata apenas de pessoas comprometidas com a fé, mas também de bons amigos. Há seis anos, o frei Geraldo D’Abadia Pires Maciel, 47 anos, está à frente da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na 913 Sul e, além de iniciar a reforma da igreja, restaurou os laços que unem os fiéis que a frequentam. Disso, resultou respeito e admiração, destacados por todos que falam sobre o frade. O bem-querer ao religioso é tão forte que os paroquianos preparam uma campanha para pedir a permanência do frade, designado pela Ordem dos Carmelitas, à qual pertence, para um ano sabático. 

A mobilização começou no sábado passado, com direito a protesto e noite em claro. A informação da saída do frei Geraldo foi descoberta por acaso, por meio do site da Arquidiocese de Brasília, onde constava cerimônia de posse do novo pároco da Nossa Senhora do Carmo. “Eu sou catequista e tenho acesso ao sistema com a programação de eventos da Arquidiocese. Lá, estava agendada a posse para 15 de agosto. Não sabia nem sequer que frei Geraldo estava saindo, muito menos que já tínhamos um substituto para ele. Eu não esperava que isso acontecesse agora”, conta a servidora pública Ana Cláudia Pereira de Jesus, 46 anos. Logo, a notícia do afastamento dele se espalhou, e a comunidade encomendou uma faixa — em amarelo e com letras tão grandes quanto a surpresa pela descoberta — para divulgar a insatisfação com a decisão do provincial, chefe da congregação aqui no DF. 

A medida é encarada como arbitrária pelos fiéis, como explica a coordenadora do Conselho Pastoral, Regina D’Arc Rodrigues Guedes, 52 anos. “Não fomos oficialmente comunicados da saída do frei. Ele deveria ficar aqui até 2017, de acordo com o Capítulo, a reunião do conselho dos carmelitas, realizado em janeiro deste ano. Como ex-provincial, ele poderia escolher um local para ficar por três anos. E escolheu aqui”, diz. No domingo, um grupo foi à porta da Casa Paroquial realizar uma vigília. “Frei Geraldo nos deu sentimento de pertença. Hoje, sabemos que nosso lugar é aqui, na Nossa Senhora do Carmo. Crescemos com a paróquia”, define a promotora de eventos Eneida Carbonell, 56. 

A atenção devotada aos fiéis é uma das marcas do frei, nascido em Unaí (MG). Ainda adolescente, ele conviveu com frades carmelitas na cidade, que o ensinaram a dirigir para ir às comunidades mais afastadas. Com eles, também aprendeu a ouvir atentamente o próximo. Assim, acolhe os anseios e espanta os medos, na avaliação da aposentada Regina Sbampato, 57 anos. “Eu o chamo de doutor frei. Ele me ajudou sempre que estive desesperada, sem saber o que fazer, como um psicólogo. Eu me lembro de dois episódios em que frei Geraldo foi fundamental: quando estava com problemas com meu filho e quando sofri assédio moral no local em que trabalhava, um dia antes de me aposentar. Ele me deu a mão, o pé e um pedação do coração”, resume. 

Se muito o frade doou, também muito recebeu, em carinho e aprendizado. “Amo minha comunidade, tanto que sei o nome de 90% dos paroquianos”, conta frei Geraldo. Ele afirma que quer permanecer na Nossa Senhora do Carmo para se dedicar às pastorais e à reforma do salão principal, mas o protesto por conta de sua saída já significa uma vitória. “Permanecendo ou não, o ganho é a união da comunidade. Eles terem se mobilizado é sinal de que se reconhecem, que estão comprometidos com os mesmos objetivos”, avalia. O religioso ainda não tem planos para as férias-prêmio que recebeu, mas deve aproveitar o tempo para se dedicar à contemplação, valor que o levou à congregação. “A ordem dos carmelitas me encantou pela relação entre contemplação e oração. O serviço que prestamos nasce de uma relação muito profunda com Deus”, explica. 

Vida de oração e silêncio
A Ordem do Carmo surgiu no século 11, na região do Monte Carmelo, na cidade de Haifa, em Israel. A congregação ganhou o conjunto de leis e regras em 1226, organizada por Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, e aprovada pelo Papa Honório III. A palavra carmelo significa jardim, em hebraico, e remete à história que deu origem à ordem. De acordo com a tradição, o profeta Elias, personagem bíblico do Antigo Testamento, foi morar em uma gruta, no Monte Carmelo, para ter uma vida de oração e silêncio. O hábito inspirou os primeiros carmelitas, que prezam pela meditação e reflexão sobre as questões do mundo e da fé. De Israel, a ordem se espalhou por outros países e chegou ao Brasil, em 1584, no período da colonização no país. Olinda, em Pernambuco, foi a primeira cidade a receber um convento carmelita.


"Frei Geraldo nos deu sentimento de pertença. Hoje, sabemos que nosso lugar é aqui, na Nossa Senhora do Carmo. Crescemos com a paróquia” Eneida Carbonell, 56 anos, paroquiana

"Permanecendo ou não, o ganho é a união da comunidade. Eles terem se mobilizado é sinal de que se reconhecem, que estão comprometidos com os mesmos objetivos”Frei Geraldo